Quando atendo mulheres acima dos 40 anos que buscam emagrecimento, sempre reforço que o processo vai muito além da balança. Falar sobre alimentação é falar sobre saúde integral,  autoconhecimento e aprendizado de novos hábitos — e entender os gatilhos que nos fazem agir no piloto automático é parte essencial dessa transformação. Entre esses gatilhos, um dos mais comuns é o comer noturno — aquele impulso que surge justamente quando o dia desacelera e o corpo (ou a mente) pede algo a mais.

Neste texto, quero te mostrar o que realmente está por trás desse comportamento, trazendo evidências de diferentes estudos científicos que explicam por que sentimos tanta dificuldade em parar de comer à noite.

Vamos entender cada uma delas  e ver como aplicar isso na prática, com estratégias que unem nutrição, comportamento e consciência corporal.


1. Comer pouco ou de forma desequilibrada durante o dia

Quando o corpo percebe que você está subalimentando (intencionalmente ou não), ele entra em modo de “compensação” — e uma das formas de manifestar isso é o apetite descontrolado à noite.

O que a ciência mostra

O hormônio da fome, grelina, segue padrões circadianos: sob condições normais, seus níveis aumentam ao longo do dia, atingindo pico no final da tarde/início da noite (Scheer et al., 2016
Estudos mostram que o desajuste circadiano (como pular refeições, comer muito tarde ou trabalhar em turnos) amplifica a grelina ativa e reduz a leptina, intensificando a fome e diminuindo a saciedade (van Marken Lichtenbelt et al., 2023

Por que isso importa

Se você não consome mais de 40–50 % da sua ingestão diária antes das 15 h, seu corpo já está em desequilíbrio para resistir à noite. A grelina amplificada pelo baixo consumo torna quase inevitável o impulso de comer alimentos mais energéticos.

Dica prática

Antecipe a fome: mesmo sem apetite matinal, priorize refeições completas e balanceadas ao longo do dia. Smoothies com proteínas, frutas e gorduras boas ou refeições simples e nutritivas podem ajudar a estabilizar o apetite e evitar exageros noturnos.


2. Fadiga de decisão (Decision Fatigue)

Mesmo com uma boa alimentação, a exaustão mental no fim do dia pode levar ao “colapso da escolha” — e geralmente a opção mais fácil (e calórica) vence.

Evidências científicas

O conceito de fadiga de decisão mostra que, quanto mais escolhas fazemos ao longo do dia, pior se torna a qualidade das decisões seguintes (The Decision Lab, 2022).
Estudos apontam que o esgotamento cognitivo leva a escolhas alimentares mais impulsivas e recompensadoras (Futurity Food, 2020
Médicos e psicólogos também reconhecem esse fenômeno como causa comum de hábitos noturnos menos saudáveis (AMA, 2020

Estratégias práticas

  • Planeje o jantar logo pela manhã ou início da tarde.

  • Deixe legumes lavados, proteínas descongeladas, base de salada pronta.

  • Repita rotinas: refeições previsíveis reduzem o esforço mental.

Aplicação clínica

Em mulheres 40+, que frequentemente acumulam múltiplos papéis (trabalho, casa, filhos, autocuidado), essa sobrecarga mental pesa mais. Reduzir decisões ao longo do dia libera energia para escolhas alimentares melhores à noite.


3. A comida como recompensa ou alívio emocional

Depois de um dia cheio, é natural buscar algo que traga prazer ou conforto — e a comida se torna a “recompensa rápida”.

O que a pesquisa indica

Um estudo da Johns Hopkins mostrou que o período noturno representa maior risco para comer demais, especialmente em situações de estresse (Johns Hopkins Medicine, 2018 )
A dopamina (neurotransmissor do prazer) interage com o cortisol (hormônio do estresse), e essa combinação aumenta a probabilidade de buscar alimentos recompensadores, especialmente os ricos em açúcar e gordura.

Dica para o dia a dia

  • Observe se o “momento da comida” é o único tempo que você reserva para si.

  • Busque outras formas de recompensa: ler, tomar banho quente, fazer uma caminhada ou meditar.

  • Traga consciência para o padrão: perceber é o primeiro passo para transformar.

Para o consultório

Temos que cuidar da relação entre estresse, prazer e alimentação ajuda a ressignificar a comida — ela deixa de ser a única fonte de conforto e passa a ser parte de um autocuidado mais amplo.


4. Alimentação de transição: quando a comida marca o “fim do dia”

Pouco se fala, mas muitas pessoas usam a comida para mudar de estado mental — do modo “trabalho” para “descanso”.

O que os estudos mostram

Pesquisas recentes apontam que mudanças de contexto (sair do trabalho, chegar em casa, se desconectar) são momentos críticos para o comer automático ou de transição (Mullan et al., 2024
Ambientes específicos (sofá, TV, cozinha iluminada) atuam como gatilhos contextuais que ativam o desejo de comer, mesmo sem fome real (Wansink et al., 2013

Como trabalhar isso

  • Crie rituais de transição não-alimentares: trocar de roupa, tomar banho, ouvir música.

  • Espere 10–15 min antes de “beliscar” após o jantar.

  • Mude o ambiente (mesa em vez do sofá) para quebrar associações automáticas.


Em mulheres 40+:

Essa fase costuma coincidir com picos de estresse e múltiplas funções, o que aumenta a necessidade de rituais de pausa. A alimentação de transição pode ser substituída por pequenos momentos de autocuidado consciente.


5. O poder do hábito e do piloto automático

Depois de algum tempo, o comer noturno deixa de ser uma resposta fisiológica e se torna um padrão aprendido — um hábito que se repete sem reflexão.


Evidências

Há forte associação entre alimentação noturna habitual e piores marcadores metabólicos em estudos populacionais (Park & Joo, 2014 ). Outros trabalhos mostram que ambientes previsíveis e gatilhos visuais (TV, mesa de centro, luzes) reforçam o comportamento automático (Wansink, 2013 ).


Estratégias para quebrar o padrão

  • Substitua o hábito: troque o lanche noturno por um chá, leitura ou alongamento.

  • Mude o local onde come.

  • Aumente o intervalo entre o jantar e o lanche — 20–30 min ajudam o corpo a diferenciar hábito de fome real.

Dica clínica

Antes de trabalhar o hábito, investigue se os fatores anteriores (fome real, fadiga, recompensa, transição) já estão resolvidos. Mudar comportamento sem tratar a causa é como tentar apagar o sintoma sem curar o problema.


Conclusão

Perder o controle com a alimentação à noite não é sinal de fraqueza — é um sinal de desequilíbrio entre o que o corpo e a mente precisam: energia suficiente, descanso, prazer, rituais de pausa e autoconsciência.

No consultório, minha abordagem une nutrição, comportamento e estilo de vida, ajudando mulheres a identificar quais gatilhos estão mais ativos e desenvolver estratégias práticas para equilibrar o corpo e a mente.

Mais do que “comer menos”, o objetivo é comer melhor, no momento certo e com consciência.



Referências

  1. Scheer FAJ, et al. Ghrelin is Impacted by the Endogenous Circadian System and by Circadian Misalignment. Obesity (Silver Spring), 2016.

  2. van Marken Lichtenbelt et al. Circadian Misalignment Increases 24-Hour Acylated Ghrelin in Chronic Shift Workers. Obesity, 2023.

  3. Fels A et al. The Role of Circadian Misalignment in Obesity. Nature Reviews Endocrinology, 2022.

  4. Decision Fatigue – The Decision Lab, 2022.

  5. Futurity Food. Decision Fatigue Leads To Unhealthy Food Choices., 2020.

  6. What Doctors Wish Patients Knew About Decision Fatigue. AMA-Association, 2020.

  7. Park YI & Joo N. Structural Relations of Late-Night Snacking Choice Attributes and Health Promotion Behaviors. Nutrition Research and Practice, 2014.

  8. Wansink B. Contextual Influences on Eating Behaviors. Public Health Nutrition, 2013.

  9. Johns Hopkins Medicine. Evening Hours May Pose Higher Risk for Overeating Under Stress., 2018.

  10. Mullan B et al. Exploring Factors Influencing Late-Evening Eating., 2024.



Palavras-chave

alimentação noturna, comer à noite, grelina e fome, fadiga de decisão, hábitos alimentares, nutrição comportamental, saúde da mulher 40+, gatilhos alimentares, comer por recompensa, alimentação consciente, como evitar comer demais à noite, comportamento alimentar feminino.